‘Nostalghia’, de Andrei Tarkovsky, leva às telas um
sentimento característico dos russos: o apego fatal à pátria que gera uma
incapacidade de se adaptar a outros lugares e estilos de vida. O foco está no
poeta russo Andrei Gorchakov (Oleg Yankovsky), que vai para a Itália a fim de
fazer uma pesquisa sobre Pavel Sosnovsky, compositor russo que passou um
período na Itália no século XVIII. Andrei é guiado pela bela Eugenia (Domiziana
Giordano), que serve como tradutora. Atormentado por uma profunda sensação de
nostalgia, Andrei tem a todo o momento sonhos e lembranças de sons e imagens
vindos de sua terra: sua família, sua casa, canções folk russas, as montanhas cobertas de neblina. Seu destino parece
mudar um pouco com ele conhece o enigmático Domenico (Erland Josephson, um dos
colaboradores mais freqüentes de Ingmar Bergman, um dos diretores favoritos de
Tarkovsky), que trancou sua própria família por sete anos numa tentativa de
salvá-los dos males do mundo. A partir daí, fica cada vez mais difícil para
Andrei lidar com a relação incerta com Eugenia, as exigências de Domenico e a
disputa interna entre o mundo material e o de seus devaneios e memória.
Gorchakov aos poucos percebe que suas sina e
identidade se confundem tragicamente com as de Sosnovsky e Domenico, levados à
loucura e depressão pelo apego incontrolável aos que amam. Talvez seja um ato
forçado, mas é possível adicionar a essa lista o próprio Andrei Tarkovsky,
mesmo com ele escrevendo em seu ‘Esculpir O Tempo’ que “seria uma atitude simplista
identificar o autor com seu herói lírico”. Simplista ou não, Tarkovsky também
vagou pela Itália acompanhado de uma tradutora (e Tonino Guerra, que colaborou
no roteiro), e carregou essa nostalgia até o fim da vida.
Ao invés de mostrar paisagens exóticas de uma
Itália que parece feita para turistas, ‘Nostalghia’ mergulha no interior de
Andrei, dando a seus sonhos uma beleza poética realçada pela excelente
cinematografia e uso do preto e branco. Guiados pelo personagem principal,
todos os fatores conspiram para dar ao filme uma carga emocional verdadeiramente
melancólica e saudosa. O uso de música clássica (principalmente Beethoven) se
resume a momentos pontuais, dando um tom especial às cenas. Como todos os
filmes de Tarkovsky, este filme está carregado de tomadas longas em ritmo
lento, diálogos metafísicos e várias sequências em completo silêncio, exigindo
certa paciência. Mas os que aprenderem a contemplá-lo serão recompensados com
uma experiência belíssima.