quinta-feira, julho 17, 2014

Mancha

Lembra aquela minha camisa branca com a estampa de uma fotografia em preto e branco na frente? Uma que já tava ficando velha e gasta, mas que eu insistia em usar mesmo assim? Pois é. Hoje resolvi colocar ela pra ferver um pouco e depois passar um sabão, pra ver se tirava uma mancha. Bem, depois de tanto tempo fervendo, o tecido da camisa ficou tão fraco que rasgou, entre a manga e a gola. Assim, do nada. Justo a camisa da nossa melhor noite juntos. Lembra? Aquela em que a gente foi pro cinema “ver” uns filmes e depois pra um bar... aí tu puxou tanto a gola pra beijar o meu pescoço que por um momento eu achei que a camisa iria rasgar (o que acabou acontecendo) e me preocupei, mas logo parei de me importar. Enfim, espero que lembre.
Gostava muito daquela camisa, sabe? E nem consegui me despedir direito dela. Estava evitando usar ela há semanas... desde o dia em que tu me deixou. O engraçado é que, mesmo depois de rasgada, a mancha da camisa continuava lá, insistente. Às vezes eu queria que as lembranças do tempo que a gente passou juntos fossem assim tão frágeis. Não que eu quisesse te esquecer completamente, te apagar da memória. Não, isso seria brutal e insensível. Sem falar que eu acho que consigo ter certa gratidão pelos momentos felizes. Mas às vezes dói tanto... sabe? Deve saber. Dói como uma ferida que teima em não cicatrizar direito, velha, tão velha que se deixa esquecer por uns tempos.
São tantas as coisas que parecem carregadas da tua presença, como uma mancha, uma marca invisível, e em cada uma delas uma lembrança em potencial que me vem à mente sem aviso ou permissão. Um segundo e eu já estou preso num emaranhado de devaneios e lembranças indesejadas.
Tive até que mudar as músicas que me acompanham todos os dias. Sabe aquela música dos Stones que tu gostava? Nunca mais ouvi. Também nunca mais vi aquele filme que a gente adora (já adorava mesmo antes de se conhecer) e combinou de assistir juntos algum dia. Obviamente eu não posso atear fogo em todas as camisas que eu lembro de ter usado quando a gente estava juntos. Ou impedir que as mulheres com que tem o cabelo parecido com o teu parem de andar pelas ruas (de onde todas elas surgiram?). Ou pedir pras tuas amigas (que são só tuas, eu descobri) pararem de esbarrar comigo por aí. Ou fazer com que parem de mencionar aquela série que tu gostava sem eu entender direito o porquê. Ou parar de passar na frente daquele restaurante onde a gente almoçou uma vez. Todas essas coisas se tornaram manchadas, com memórias de tempos felizes que eu deveria ter prazer em lembrar, mas que agora têm um gosto agridoce, que parece ficar mais amargo a cada dia. Talvez eu até me recorde deles com um sorriso mais tarde, mas essa realidade ainda me parece distante.
Lembra aquele filme que eu te recomendei e te fez chorar? Pois é, agora sou eu que choro. Quer dizer, não choro mais... mas a dor persiste, como se uma lágrima se fixasse em meu rosto e eu não conseguisse limpá-la. Pelo menos não por enquanto. Provavelmente ela vai persistir enquanto eu não me esquecer do quanto teus olhos brilhavam de felicidade quando eu olhava eles bem de pertinho, o quanto eram lindos. Por sorte, nunca mais senti o cheiro doce do teu perfume, que eu gostava tanto, e até consegui me esquecer dele. Quer dizer, ele não me vem à cabeça, mas sei que reconheceria ele em um segundo se chegasse perto de tu de novo. Mas isso não vai acontecer.

Então por favor, na próxima vez que a gente se ver, não esteja usando aquele vestido preto florido. O que tu tava usando na primeira vez que a gente foi pro cinema juntos. Sabe qual é, né? É o que eu me lembro melhor. Tu costumava ficar linda nele. Provavelmente ainda fica. Mas não pra mim.