quarta-feira, janeiro 19, 2011

Desalento

Chego em casa. Deixo a mochila em um canto. Mesmo assim, não consigo tirar o peso de minhas costas. Que peso é esse? Em certos momentos, eu sinceramente não sei.

Aperto o ‘Play’, e o aparelho de som faz os graves e agudos começarem a ecoar pelas paredes. Peço a ele que não pare. Os sons de alguma forma ajudam a preencher um vazio enorme. E o silêncio é insuportável, esmagador. O silêncio me traz para mais perto de mim mesmo. O som me passa a voz rouca e profunda de Janis Joplin, a afrociberdelia de Chico Science, a energia híbrida e pulsante do Led Zeppelin, as letras (prefiro não descrevê-las) de Chico Buarque, a simplicidade moderna e elétrica dos Strokes, entre tantos outros.

Algum leitor mais atento pode indagar como é possível se gostar de coisas tão diferentes. Pergunto a esse leitor: “Quantas faces tu tens? Quantos tantos ‘eus’ dentro de um mesmo ser?”. Parafraseando Clarice Lispector: “Sou sempre eu mesma, mas com certeza não serei a mesma para sempre”. Mesmo que alguns se esforcem muito para negar, somos todos diferentes. E mesmo que sejamos levados a comer as mesmas comidas, pensar as mesmas idéias, vestir as mesmas roupas, ouvir os mesmos sons, ainda somos todos diferentes. 


Descobri qual era o peso que me afligia. Meu peso é a semelhança entre nós. Somos cercados por ilusões, e perseguidos por uma constante sensação de falta. Sempre sentimos falta de alguma coisa, mesmo não sabendo exatamente o quê ou o porquê. 

Um dia desses um vizinho veio me perguntar “Tudo bem?”. Sorri dissimuladamente e menti (ou será que apenas omiti?): “Tudo”. Todos mentem. Afinal, somos reféns das aparências. Mas a pior mentira é a ilusão. Se iludir é mentir para si mesmo.


Quando crianças, já vivemos num mundo de sonho e ilusão. Acreditamos na existência das mais absurdas entidades mágicas e folclóricas, e que o mundo não é tão hostil como os adultos insistem em dizer. Com o crescimento vêm outras ilusões, cada vez maiores. Nos tornamos sonâmbulos, vagando pelo mundo em um sonho perene. Sempre achei estranha a palavra da língua inglesa para ‘pesadelo’: nightmare. Night (noite)... Eles se esquecem dos pesadelos diurnos. O pior pesadelo de uma pessoa é a desilusão. E essa não tem hora para chegar.

Perdido em devaneios, me pego sentindo como se estivesse preso em um enorme e invisível elevador. E como todo elevador que se preze, ele carrega as conversas sem objetivo, o desconforto, um princípio de claustrofobia, a sensação de tempo desperdiçado. E o pior é que não sei para onde esse elevador está me levando.  Isso me causa um medo terrível. Ouvi falar que as pessoas têm medo do que desconhecem. Pode ser isso.  E o elevador parece ser panorâmico. Enquanto me sufoco com a atmosfera controlada de dentro, vejo do lado de fora imagens aleatórias de outros ares, outros tempos. 


Tempos que não voltam mais. E com essas imagens vem aquela nostalgia, me lembrando do que me falta. Falta-me a visão do teu sorriso sincero. Falta-me o cheiro envolvente da maresia. Falta-me a doçura dos teus lábios. Falta-me o barulho do vento desbravando meus ouvidos. Falta-me o aconchego do teu cálido corpo. Falta-me sentido para tudo.

E são nesses momentos de ausência que percebo que odeio os relógios. Metódicos, incansáveis, frios... malditos. Nunca me deixam ficar perto de ti o tempo suficiente. E ainda fazem os momentos em que você não está comigo terem a duração de meses, anos, séculos. E acompanhado dos relógios desvaneço.

Começo a duvidar da existência de minha Lua particular. Os ciclos e fases passam, e a maré parece não mudar. Continuo preso no elevador. Procuro um meio de dar fim a esse desalento. Sei exatamente o que quero, só não posso dizer quando vou consegui-lo. Quer dizer, não sei exatamente. Não saber exatamente o que quero é um modo de me preservar. Querer demais traz a decepção, o descontentamento. Por isso meus desejos mais profundos são como o Sol em um dia chuvoso: continuam tão fortes e imaculados como sempre, mas estão escondidos, encobertos, parecem estar longe de sua plenitude passada. Escondo-os, em um lugar onde nem eu mesmo possa encontrá-los. Enquanto isso os relógios correm. Tic Tac.




Soundtrack:
 
 
 

 

1) Desalento - Chico Buarque (Letra)
2) How To Disappear Completely - Radiohead (Letra)
3) Time - Pink Floyd (Letra)

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