domingo, outubro 30, 2011

Oceano


            Com as pernas exaustas de tanto vagar sozinho por aquela cidade que lhe era desconhecida, o homem resolveu descansar. Era um turista, afinal de contas. Um tempo pra pensar e uns drinques à beira-mar não lhe fariam mal. Quem sabe algumas horas num bar agradável regadas a um bom vinho ou whiskey dariam um propósito maior àquela noite, até então sem emoção. Depois do terceiro copo (ou seria o quarto? estava tão imerso em devaneios que só a conta trazida pelo garçom lhe daria números exatos), começaram a lhe aparecer mulheres que de longe pareciam tão solitárias quanto ele, com aquele ar triste de fim de noite. E, como que para dar utilidade à cadeira vazia perto do homem, se aproximavam, sem muitas esperanças de trazer um sorriso àquele rosto marcado.
                A primeira que chegou tinha olhos... na verdade o homem não sabia exatamente a cor deles. Podiam muito bem ser verdes, mas meio azulados, talvez, dependendo do ângulo?... Eram de cor (falsa?) tão nova que ele se perguntava se eram os dois da mesma cor, como se um só não fosse milagroso o suficiente. Ela se sentou sem alarde, e depois do segundo copo parecia não querer sair tão facilmente. Apesar de o sorriso ser amplo e receptivo, definitivamente havia alguma coisa errada com os olhos. O assunto corria razoavelmente bem, ainda que sem muita profundidade, mas o problema com os olhos ainda desconcertava o homem. Não, definitivamente não eram da mesma cor. O homem passou a encará-los, o que fazia eles se movimentarem cada vez mais rápido e em diferentes direções, enquanto estranhamente ela parecia cada vez mais simpática (o que era estranho, já que os olhos demonstravam insegurança). Cordialmente, a dispensou. Não podia confiar nela. Os olhos... não tinham uma só cor.
                A segunda que chegou tinha pálidos olhos azuis, claros como céu do mais profundo verão, ou um vasto lago desprovido de lama. Olhos azul-veludo. Era mais bonita que a anterior, e morena. Mas aquela era uma beleza triste, que, se dava sinais de alegria, logo mudava de idéia e se retraía. Não tinha jóias, colares ou brincos. Só os olhos, que valiam como safiras. Num dos bolsos, uma carta mal dobrada. E nos pés, - estranhamente - o que pareciam ser botas de couro (espanhol, talvez). O homem até tentou uma conversa, mas a melancolia da mulher rapidamente o contaminou, e pouco a pouco ele foi murchando em sua cadeira. Ao menor descuido, a mulher voltava os olhos para o mar, numa expressão de cansaço, como se chamada por ecos de uma maré distante através da areia. Apesar de já passar da meia-noite e as praias não estarem mais coloridas pelo Sol, o mar não tinha perdido seu charme. Ainda havia o som harmonioso da maré contra a areia, a brisa (aquela), o cheiro de maresia. O homem tentou sorrir, já que seu sorriso era tudo que ele tinha para lhe dar. Ela esboçou um sorriso indeciso, mas rapidamente desviou o rosto para baixo. Seus olhos fundos guardavam uma tristeza e um amor ocultos que eram fortes demais para ser comparados com qualquer outra coisa. Com um sinal de cabeça, o homem se despediu e deixou-a ir. Ela então deu as costas e foi embora, caminhando para longe em silêncio. Caminhando na direção do mar.
                A terceira que chegou tinha olhos pretos. Escuros, fortes, decididos. Tão pretos que ousavam por um instante parecer ter outra cor que não o negro, sem muitas exigências quanto à luz, e então sua mente clareava, e seu olhar divagava por caminhos desconhecidos. Mas não por muito tempo. Das três que tinham passado pelo homem naquela noite, ela era a mais “normal”, por pior que essa denominação soe. A conversa corria bem. Mesmo assim, o homem tinha medo de mergulhar naquele infinito escuro, ainda que tivesse um desejo incontrolável de fazer o mesmo. No rosto dela um sorriso decidido, e cabelos também negros escorrendo até os seios – linhas elegantes em chiaroscuro. Em algum momento ela olhou profundamente nos olhos do homem, e o olhar dela era de adeus.
-Tenho que ir – ela disse, não revelando traços de saudade prematura (ainda).
-Eu sei – disse o homem, depois de hesitar por um instante e cogitar perguntar o porquê. A verdade é que ele não precisava de porquês.
-Então... adeus.
-Adeus... espera.
Para a surpresa da mulher, o homem tirou-lhe uma foto, com uma Polaroid velha. Ele não se daria a chance de deixar de ver aquele rosto em sua mente. Olhou para ela, que ainda balançava o rosto e piscava os olhos por causa do flash, e sorriu. Como não conseguiu encontrar a mentira certa para explicar aquilo, disfarçou pedindo o telefone dela com o pouco de audácia que lhe sobrara. Ela gentilmente escreveu os tais números na foto, e se foi.
A quarta que chegou... bem, o homem não pôde reconhecer a cor dos olhos dela. Ela usava óculos levemente escuros, que combinados com o whiskey e com a fumaça de cigarro que ela carregava, tornavam impossível a denominação dos seus olhos. Como que vinda da própria fumaça, sentou suavemente na cadeira à frente do homem. Na sua chegada não trouxe nada, também nada perguntou. Tinha um sorriso indecifrável. O homem só parou, encarando-a. Os óculos funcionavam como um tipo – precário – de espelho, e através deles o homem via seus próprios olhos, de cujas cores e contornos já tinha se esquecido.
-Vamos? – disse ela. O homem cogitou perguntar pra onde, mas desistiu. Já passava da hora de sair, e não era preciso muitas qualidades para que uma compania lhe parecesse lucro naquele momento. Queria ver o que ela fazia, olhando olhos nos olhos.
E então o homem pegou a estrada para o fim da noite. No bolso, a foto e o telefone da mulher de olhos pretos. Precisaria da verdade daqueles olhos em outro momento. Ao olhar para o lado, viu de relance o mar, e parou por uns instantes para contemplá-lo em sua imensidão salgada. E tudo é verde e submarino.
 

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