quarta-feira, outubro 12, 2011

'A Saucerful of Secrets' ou Um Troço Secreto

Geralmente não escrevo especificamente sobre esse assunto ou tão especificamente quanto pretendo fazer agora, mas por algum motivo resolvi abrir uma exceção pra essa música/canção em particular. Talvez eu escreva mais vezes assim (para o blog), quem sabe?
Para deixar claro, vou tentar falar uma coisa ou duas sobre a música ‘A Saucerful of Secrets’ ('Um Pote/xícara/pires cheio de segredos') da banda de rock-progressivo (entre outros gêneros) inglesa Pink Floyd. Ela está presente no álbum de mesmo nome, lançado em 1968, e também no álbum Ummagumma (gravada ao vivo), de 1969, e no filme/álbum Live At Pompeii. Essas três versões são levemente diferentes, tanto em som quanto em duração. A versão de estúdio tem 11:52, a do Ummagumma 12:43, e do Live At Pompeii 9:44. Me focarei nas versões ao vivo, pois pra mim e pra grande maioria dos fãs da banda, são definitivamente superiores à versão de estúdio. Ela foi criada a partir de uma junção de algumas idéias de segmentos instrumentais, e houve contribuição de todos os quatro membros da banda, que dividiram os créditos. David Gilmour, que geralmente não demonstra muita paciência com grande parte das músicas da banda entre os anos de 1968 e 1972, tem boas lembranças da canção. Em entrevista, declarou que a banda realmente julgou ter conseguido alguma coisa com 'A Saucerful of Secrets', apesar dele mesmo admitir não entender muito bem o que estava fazendo naquele momento. Mais tarde, em 1987, ele rejeitaria o pedido de Nick Mason e Richard Wright de voltar a tocá-la em turnê porque achava que ela soava arcaica demais.
Não sei dizer bem como ou quando foi a primeira vez que a ouvi. Provavelmente em agosto ou setembro de 2010, quando ouvi o Ummagumma pela primeira vez. Se não me falha a memória, ouvi ‘por alto’ (sem prestar muita atenção), e não gostei muito. Devo ter achado sem nexo, ou barulhenta demais. Só voltei a dar a devida atenção à coitada em abril de 2011. O modo como o som parecia viajar de um fone de ouvido para outro (ou do canal esquerdo para o direito), principalmente o som da guitarra de David Gilmour, me intrigou. E desde então cultivei uma admiração crescente por essa canção.
A primeira parte da música, que é intitulada 'Something Else' ('Algo Mais'), começa silenciosa. O baixo (ou órgão) dá um toque solene na introdução, enquanto os outros instrumentos lentamente vão aparecendo. Nick Mason usa bastante os pratos de sua bateria, dando à música um clima tenso logo de cara, enquanto Gilmour começa a usar sua guitarra, com o auxílio de uma bottleneck (tubo oco que geralmente é preso a um dedo para poder então deslizar (slide) sobre as cordas. As pontuais intrusões de Gilmour dão um toque misterioso à já bastante misteriosa primeira parte, enquanto o som do órgão/baixo é cada vez mais presente e as batidas de Mason ficam cada vez mais frequentes. Há um clímax ensurdecedor, e o som cessa por uns instantes.
A segunda parte, intitulada 'Syncopated Pandemonium' ('Pandemônio Sincopado'), é iniciada com a bateria de Mason. O ritmo incessante com som de percussão é como tambores anunciando uma batalha épica ou o ínicio de um ritual antigo. Enquanto isso, Richard Wright (tecladista), que até esta parte da canção era o mais comportado, toca o piano de forma furiosa e desordenada, parecendo dar tapas e socos nas pobres teclas. Gilmour, ainda com a slide, se aproveita de equipamentos/efeitos sonoros para gerar ecos e distorções estranhas e tornar a música ainda mais etérea e enlouquecida. Roger Waters (baixista), na versão do Live At Pompeii, ainda pontua todo esse caos com batidas em um gongo, daqueles que só se vê em filmes chineses (ou sobre a China, enfim).
O caos cessa, e começa a terceira parte, intitulada 'Storm Signal' ('Sinal de Tempestade'). Agora reina uma atmosfera mais tranquila, liderada pelo órgão solene do agora mais calmo Wright. A guitarra e a bateria também se acalmam e até ousam manter-se silenciosas por alguns instantes, enquanto Waters volta ao baixo.
A terceira parte se desenvolve naturalmente, com um aumento gradual do ritmo e do volume, até a quarta parte, intitulada 'Celestial Voices' ('Vozes Celestiais'). Um leitor mais desavisado, ao ver a palavra 'vozes', pode imaginar talvez o aparecimento de partes vocais e letras, para talvez dar sentido a tudo isso. Não vai ser dessa vez. Gilmour, com um som de guitarra já mais parecido com o normal, pontua a música com um refrão (surpresa!), mas sem palavras. O que se ouve é um canto místico, e como diz o título, (reparem na falta de criatividade) celestial. E, com o fim desse canto, se encerra a obra-de-arte.
Para mim, toda a beleza da canção está no quanto ela é estranha, tanto quando comparada a outras do mesmo gênero quanto a músicas da própria banda. Em 'A Saucerful of Secrets', se abdicam de elementos que são importantíssimos para o rock até hoje, como um riff de guitarra daqueles que fica na cabeça, letras para dizer qualquer coisa, chocante ou não, um solo de guitarra poderoso, sem falar de toda a estrutura versos-refrão-versos-refrão ou coisa do gênero. O que existe aqui é a oportunidade de se ter uma jornada experimental que alterna entre tensão extrema e calmaria, através de diferentes ecos, ritmos e seções. Uma jornada (ou viagem) que eu espero que atraia cada vez mais ouvintes dispostos a se entregar a 9/12 minutos de uma música que até os dias de hoje pode ser considerada de vanguarda.





 

Um comentário:

  1. P.S.2: acho esse negócio de ficar deixando as palavras estrangeiras em itálico um saco, então provavelmente vão ter algumas sem itálico. Espero que ninguém morra por isso, ou eu vou... me matar de remorso.

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