quarta-feira, fevereiro 27, 2013

(V Janela Internacional de Cinema do Recife) - Nossos Pais e Mães



Neli, a mãe do curta romeno Festinha em Casa (Adrian Sitaru) é uma típica mãe superprotetora e controladora, daquelas que querem saber exatamente o que o filho vai fazer, a que horas e por quê. O tipo de mãe que todo mundo já conheceu um dia, se é que não tem em casa. Ela viaja para Bucareste por alguns dias, deixando sozinho em casa seu filho Dan, de 17 anos – não sem antes avisá-lo de que não deve incomodar os vizinhos com música alta. Ao saber de sua volta, suas amigas e vizinhas correm para contar da festa dada por Dan, que envolveu – em quantidades incertas – cigarros, mulheres, música alta e polícia. Pouco a pouco, o espectador presencia a construção de uma fofoca – desde a descoberta de que houve uma festa até o nível em que é impossível ter certeza sobre a veracidade das informações -, e apesar de a câmera pouco se mover durante o diálogo, as atrizes compensam isso com uma movimentação fluida pelo espaço apertado do apartamento, bom humor e ritmo rápido, conseguindo provocar riso sem transmitir artificialidade. Como era de se esperar, Neli briga com seu filho, mas sem deixar de acreditar na santidade inerente de seu filho, e sai – literalmente – em sua defesa. A ausência temporária da mãe parece dar vida nova a Dan, e o libera para ser um adolescente e fazer tudo o que não poderia na presença da mãe, com uma explosão de vitalidade e liberdade que difere Dan dos outros filhos do programa.

A reação explosiva de Dan é justamente a maior diferença entre os curtas romeno e holandês - Adeus (Tamar van den Dop) – do programa, além da parte óbvia - a mãe de Dan voltará logo, enquanto o pai de Jonathan, menino que protagoniza Adeus, acabou de morrer. O luto de Jonathan é contido a ponto de parecer estranho, mesmo para uma criança. A reação de Jonathan à morte do pai parece digna de tão mínima reação que o espectador pode demorar algum tempo para entender o que se passa. Só a visão do caixão traz a certeza da morte para o espectador, e o primeiro sinal de emoção em Jonathan, que, isolado, tenta falar com o pai. Sua dúvida parece não ser se o pai morreu ou não, mas o que é a morte, afinal. O que guia o curta é essa inocência infantil de Jonathan, que se põe a filmar – a contragosto de todos – o enterro, na busca por registrar e entender os rituais e efeitos da morte. Vemos o que se passa através da câmera de Jonathan, o que dá ao filme uma estética amadora e rústica, mas van den Dop não abdica de alguns enquadramentos que parecem felizes – ou planejados - demais para serem proporcionados pelo improviso de um menino. Mas talvez o aspecto mais singular do curta seja a relação de Jonathan com a câmera. Enquanto todos no enterro que choram e expõem toda sua fragilidade e tristeza são imediatamente inibidos no momento em que se veem filmados por uma câmera, Jonathan guarda seus sentimentos em público, como se quisesse parecer mais forte do que realmente é, mas quando se vê livre do olhar dos outros e sujeito apenas ao olhar da câmera-testemunha, demonstra enfim todo o afeto pelo pai falecido. Essa característica do menino proporciona alguns dos momentos mais sensíveis do filme, que se mantém interessante graças à dualidade da criança.

A menina que dá nome ao curta Ina Litovski (Anaïs Barbeau-Lavalette e André Turpin) não perdeu sua mãe - pelo menos não sua mãe biológica -, mas é aplacada por um sentimento de ausência semelhante. Desde os primeiros momentos, a menina deixa claro que seu nome é Ina Litovski, apesar de lhe chamarem de Sophie, e um violino com as letras I-N-A gravadas em tamanho enorme na madeira não deixa dúvida disso. Esses momentos iniciais sugerem uma espécie de crise de identidade marcada pela oposição entre o nome russo e o francês, como um conflito entre as partes russa e francesa/canadense da menina.  Ina mora na parte francesa do Canadá, mas guarda um pedaço da Rússia em seu quarto, repleto de cartazes de figuras russas – como Lênin -, tinta vermelha e algumas frases que parecem ter sido escritas em russo, parecendo sofrer da nostalgia típica dos russos longe de casa, tão bem retratada em Nostalghia (Andrei Tarkovsky, 1983). Ina e a mãe moram no mesmo apartamento – segundo a sinopse -, mas quase nunca são mostradas juntas, o que leva Ina a uma busca por se aproximar tanto da mãe quanto da Mãe Rússia – personificação da nação russa numa figura de mulher. A menina se prepara para tocar violino em um concerto da escola, e reserva uma cadeira para a mãe, mas ao ver que ela não está lá - numa sequência com manipulação eficiente do som -, foge correndo. Ina recusa-se a tocar senão para sua pátria-mãe, e é mostrada tocando em frente ao que me pareceu ser o Kremlin coberto por neve, e também na frente do apartamento de sua mãe, fechando o curta com duas cenas belíssimas. Além de toda essa beleza, o filme poderia ter investido mais no desenvolvimento do enredo, principalmente na relação de Ina com a mãe – que parece ser mais frágil que a menina e sofrer de alcoolismo -, o que só aumentaria a força do desfecho. Tem-se a impressão de que tempo demais foi gasto com closes de Ina para um filme de duração tão curta, enquanto um nível maior de detalhes sobre a vida da menina só aumentaria o potencial da narrativa.

Como Adeus, o curta Cabelo Curto, Gordinha e Baixinha (Robin Harsch) também é filmado pela câmera de um filho que acabou de perder um ente querido – no caso, a mãe -, mas há grandes diferenças. Robin já é bem mais maduro que Jonathan, e tem até um filho, e já se passou algum tempo desde a morte de sua mãe. Mesmo assim, isso não significa que a sensação de perda, a saudade e as memórias tenham se dissipado facilmente, como fica evidente no impacto que causa em Robin a visão de uma mulher parecida com sua mãe numa varanda do outro lado da rua. Essa visão ativa nele uma obsessão em filmar a mulher - sempre a comparando com sua mãe e lembrando das semelhanças físicas - e uma disputa estranha entre ele e seus próprios sentimentos, bem mais complexos do que se possa colocar em texto. O número de registros de Robin da mulher na varanda vai se acumulando, enquanto ele procura intensificar as lembranças que tem da mãe visitando o hospital onde ela faleceu e procurando fotos e vídeos dela, sempre na busca de ajudar sua própria memória. Sente saudade, mas não sabe se continuar com essa obsessão – cujo controle ele rapidamente perde – lhe faz bem, já que algumas de suas ações parecem aumentar ainda mais a dor da perda. Robin parece preso à memória de sua mãe, ainda que isto não se dê inteiramente contra sua vontade, mas sua rotina de filmar a vizinha gordinha, baixinha e de cabelo curto parece pouco a pouco o ajudar a lidar com a morte da mãe e o libertar da dor. A obsessão ganha até contornos cômicos quando Robin chega a trocar de câmera duas vezes, usando até uma que só tem capacidade para vídeos de cinco segundos. Mesmo assim ele continua, até que é chegada a hora de mudar de apartamento, vários meses depois. É quase impossível não sentir empatia por Robin, e até torcer por um final em que ele consiga viver em paz com a memória da mãe, ou simplesmente falar com a vizinha – o que eventualmente acontece. O curta convence na medida em que se reconhece o quanto de suas emoções mais íntimas Robin depositou no filme, fazendo o espectador se sensibilizar pelo amor à mãe demonstrado na tela, um sentimento que todos são capazes de ter, de maneira obsessiva ou não.

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