quarta-feira, fevereiro 27, 2013

(V Janela Internacional de Cinema do Recife) Encaixe Gostoso



Começamos este programa “carinhosamente dedicado ao sexo” – como se ele pudesse ser dedicado a qualquer outra coisa com esse nome – de forma moderada, quase recatada. Café Regular (Ritesh Batra), uma co-produção entre Índia e Egito, retrata uma conversa entre um casal num café. Nada que fuja da normalidade, mas o fato da mulher ter ouvido um casal estrangeiro falando sobre sexo no trem de volta pra casa – até o ponto em que ela mudou de lugar de tanta vergonha – inicia no casal uma reação incomum. Num esforço perceptível, como se tivesse que brigar com ela mesma e os outros para liberar sua energia sexual reprimida, a mulher declara querer fazer sexo - coisa que em dois anos de relacionamento eles ainda não fizeram - com ele antes do casamento. Ele recusa a proposta inicialmente, chegando a ficar ofendido e envergonhado de ouvir aquilo da boca de sua futura esposa, e a alerta dos perigos de perder a virgindade – ou seja, o valor – antes do casamento. Mas ela o convence – ou melhor, o seduz -, tomando as rédeas da situação de um jeito incomum de se ver numa mulher de burka – acessório que, por sinal, ela insiste em manter durante o sexo -, e exige condições que se confundem entre a timidez e fetiche. Café Regular perde um pouco de seu impacto em meio ao crescendo de energia sexual do programa, mas convence em sua simplicidade, dando esperanças de que algum dia o desejo feminino não seja tão reprimido no Egito – e em tantos outros países – a ponto de uma mulher passar por tantos riscos ao querer fazer sexo com o noivo – após dois anos de noivado, é sempre bom lembrar -, enquanto o noivo declara sem ressentimentos que se fosse outra mulher – uma pra não casar – era só levar pra casa de um amigo e pimba, fácil, fácil.

Mike Sullivan, personagem principal do curta americano Os Robôs (Matt Lenski), também parece carregar dentro de si uma montanha de energia sexual, mas arranjou um jeito eficiente – pra não dizer peculiar – de controlá-la. Há 15 anos, Mike dedica sua vida a fazer um filme de robôs em stop motion. Pouco tempo depois teve a ideia de torná-lo um filme de sexo, uma ótima metáfora para os humanos, segundo ele. Mike guarda na parede algumas fotos de belas mulheres – amigas ou namoradas que nunca teve -, e é com um leve toque de tristeza que constata sua solidão. Mas Mike não tem tempo para ficar triste, já que construir todo aquele mar de pequenos robôs é a única coisa que ele consegue se ver fazendo. Chegam a ser hilários os momentos em que ele mostra - num tom que sugere ao mesmo tempo orgulho e auto-piedade - partes de sua interminável coleção de robôs: fêmeas e machos, cavalos e máquinas, muitos já empoeirados, todos construídos de forma a facilitar o sexo entre eles – e dá-lhe fuckable pussies e butts. Não se mostra quase nada do filme de sexo robô propriamente dito, mas a visão da imensidão orgiástica dos robôs de Mike já entrega a mensagem por si só.

Essa necessidade de descarregar energia sexual é uma coisa que os adolescentes que protagonizam Este Não É Um Filme de Cowboys (Benjamin Parvent) parecem longe de ter. A ação é focada em duas frentes: o banheiro masculino e o feminino, cada um com uma dupla, e em ambas o que repercute é a exibição do filme Brokeback Mountain (Ang Lee, 2005) na TV na noite anterior. No masculino, Vincent resolve compartilhar a experiência de ver o filme com o amigo Moussa, e a cada frase sua é como se ele desafiasse e redescobrisse a sua própria sexualidade, ainda que ele raramente perca o medo de ter aqueles sentimentos – e principalmente expô-los – ou que outras pessoas fiquem sabendo daquilo. Essa necessidade de manter as aparências parece ser mais importante na adolescência que em qualquer outra fase da vida, e o filme demonstra bem isso quando outro menino aparece de repente no banheiro, e os dois param a conversa imediatamente e começam a agir de modo a não deixar que desconfiem de sua masculinidade. O impacto do diálogo das meninas é menor, já que não é a sexualidade delas que está em risco a cada reação, cada palavra. Enquanto Vincent sofreu para admitir sua empatia com os personagens – a ponto de chorar no final -, as meninas já admitem logo de cara que viram – e gostaram – do filme, e o único problema é o fato do pai de uma delas ser gay. Problema pequeno, aliás. O preconceito de uma com o pai gay da outra é exposto e até facilmente resolvido. O problema maior será de Vincent, que terá que lidar com a descoberta de uma sensibilidade nova, e com a aceitação de Moussa, já que Brokeback Mountain não é um filme de cowboys – pelo menos não heterossexuais -, afinal, mas a barreira pode ser posta entre ele o espectador está no preconceito de cada um, preconceito que até um adolescente é capaz de evitar, ainda que não pareça ser capaz de entender.

O curta Bonde (Michaela Pavlátova) retrata o que parece ser um dia rotineiro na vida de uma condutora de bonde. Ela entra no bonde, dá partida, o bonde passa pelas estações, entram nele homens idênticos com seus rostos sérios e suas capas cinzentas, os homens descem do bonde, e ela volta pra casa. A princípio, nada anormal. Mas por trás da condutora que os passageiros mal veem há uma mulher que faz questão de passar batom vermelho antes do expediente, e se contorce de prazer a cada entrada de um passageiro novo. Acompanhados pela música que marca de maneira ótima o ritmo pulsante do filme, entramos nas fantasias eróticas da condutora, que se contorce de prazer a cada passageiro que entra e a cada movimento de alavanca, se deliciando com a visão de uma infinidade de paus rosas saindo de cada passageiro, expondo cada vez mais o corpo para mostrar um par de seios generosos e olhos já marcados pelo êxtase. Infelizmente para a condutora, o espectador é o único que a acompanha, e ela termina sua fantasia de forma abrupta – quase batendo o bonde – e vergonhosa, já que o susto que o solavanco propicia aos passageiros é o único momento em que eles a notam, quando ela está assustada e quase sem roupas. Um dia ela encontra um passageiro de olhar tão tímido mas cheio de desejo quanto o seu. Ele a vê, e ela é finalmente saciada - no escuro -, dando um final feliz para essa divertida animação. Enfim uma expressão sem pudores do desejo feminino, um alívio nessa imensidão de peitos e bundas de mulheres alvos do desejo masculino que povoa a produção cultural mundial.

Surra de Pêia (Jean-Baptiste Saurel) é definitivamente um produto do cinema – e de seu imaginário -, principalmente dos filmes de kung fu e pornô. Mas este é um mundo diferente, como expressa a fala da personagem Sonia, que diz que os tempos de sexo desajeitado e preliminares intermináveis acabou, as zonas erógenas migraram, e o ponto alto do negócio agora é levar uma bela caceteada (ou surra de pêia), ganhando assim um orgasmo instantâneo. E o homem perfeito para o trabalho é o astro do pornô Ti-Kong, com seu pau hiperdesenvolvido, às vezes ocupando tanto espaço na tela que chega a ser egoísta. Quem não gosta da ideia é Francis, dono da locadora de filmes pornô em que a linda Sonia trabalha. Ele morre de desejo pela empregada, mas, inseguro em relação a seu pau, morre também de vergonha de se revelar. Mas isso muda quando Sonia aceita participar do próximo filme de Ti-Kong, e Francis precisa superar sua pequenez para salvá-la da monstruosidade de Ti-Kong. Permeando toda essa estória de redenção do homem de pau pequeno está um casamento feliz entre humor e sexo que diverte o espectador com uma mistura hilária de montagem fluida e diálogos rápidos, um amigo negro e engraçado que se torna quase um mestre de kung fu, um herói retraído que se revela mais forte que o vilão, uma mocinha que mistura luxúria e inocência, chinesas que não servem para nada a não ser apanharem e falarem coisas que ninguém entende, e uma tranquilizada básica aos homens que, como Francis, se sentem inseguros em algum nível com relação ao tamanho de seus membros, sejam seus rivais o absurdo Ti-Kong ou só o Ricardão.

É natural que, neste grande crescendo de energia sexual que é Encaixe Gostoso, o programa se encerrasse com Four Play: Tampa (Kyle Henry), um grande deboche cheirando a purificador de ar e esperma, um mais que outro. Este curta americano, como é de praxe, começa falsamente inocente e pueril, com um jovem – aparentemente latino – indo ao banheiro do shopping após um gorduroso prato de pizza, e se aliviando no mictório. O jovem espia os outros homens com olhos curiosos, no que remete à paranoia em relação ao tamanho do pacote abordada em Surra de Peia. Mas aos poucos a fachada e a discrição vão dando lugar ao desejo, e os homens passam a se masturbar e se chupar, até serem interrompidos pela entrada de mais alguém no banheiro. Numa sequência de cenas que chega a ser repetitiva, mais e mais visitantes vão entrando no banheiro e se juntando à brincadeira, deixando o protagonista cada vez mais nervoso e excluído. O filme se embebeda – até demais – em sua própria loucura transgressora, num crescente incontrolável que contamina todos os inúmeros convidados da orgia, desde Hitler até um travesti vestido de Carmem Miranda, menos o protagonista. Ele não participa do banho coletivo de esperma, e permanece desolado em seu vaso sanitário, até ser salvo por Jesus Cristo em pessoa – como era de se esperar -, que enfim lhe concede o divino orgasmo. O filme diverte – não sem deixar de ser previsível e exagerado em alguns momentos - através do choque, sendo a sua prova maior o fato de alguns espectadores terem aguardado alguns minutos antes de irem ao banheiro após o término da sessão – suponho que os realizadores do curta tenham um sorriso de triunfo ao saberem disso.

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